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Decreto que institui cobrança pelo uso da água no Estado de Minas tem pontos questionados

Decreto que institui cobrança pelo uso da água no Estado de Minas tem pontos questionados

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A cobrança pelo uso da água feita por 12 comitês de bacias hidrográficas em Minas Gerais será estendida para as 36 bacias hidrográficas do estado. A medida está prevista no Decreto 47.860, publicado pelo governo de Minas, e estabelece que os procedimentos para o pagamento em todas as bacias deverão ser adotados nos próximos dois anos. Mas já promete polêmica. Enquanto a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) considera um avanço a ampliação da cobrança a todas as bacias hidrográficas porque vai garantir mais dinheiro para investimentos em ações ambientais, os irrigantes alegam que vai sacrificar o setor e que poderá, inclusive, inviabilizar a atividade produtiva.


Segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), nas 12 bacias hidrográficas onde a a medida já foi implantada, a Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos (CRH) é realizada em 3.768 empreendimentos, dos quais 738 contemplam a irrigação. Atualmente, a partir dos dados de usos outorgados pelo próprio Igam, 23.121 usuários seriam passíveis da cobrança em todo o estado, dos quais 7.242 irrigantes (31% do total). Ou seja: a medida terá forte impacto na agricultura irrigada, multiplicando em quase 10 vezes o número de agricultores que pagam pela captação da água que viabiliza seus plantios.


O governo alega que a cobrança “é um instrumento que pode proporcionar importantes ações de melhorias na gestão das bacias”, entre elas o financiamento de planos municipais de saneamento básico e a contratação de serviços de laboratório especializado para o monitoramento da qualidade da água. Além disso, informou a Semad, “a cobrança também pode resultar na realização de intervenções de proteção das águas contra ações que podem comprometer o seu uso”. Segundo a pasta, em 2018, nas 12 bacias em que a cobrança era autorizada no estado, a arrecadação foi de cerca de R$ 39 milhões e a estimativa é que, com a extensão às 36 bacias, esse montante chegue a R$ 90 milhões. Do total arrecadado em cada bacia, 92,5% do recurso arrecadado visa financiar os estudos, obras e projetos aprovados pelos comitês de bacias, informou o órgão estadual.


“O decreto é um marco no avanço da gestão de recursos hídricos, uma vez que a cobrança é um instrumento que ainda não havia sido implementado em todo o estado. Com o decreto, o Igam efetiva a implantação conforme preconizado na Lei 13.199/1999”, afirma o secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Vieira. Mas, se por um lado o governo enaltece as vantagens da ampliação da cobrança, empresários da irrigação encaram a mudança com apreensão. Eles salientam que a medida vai onerar ainda mais o segmento que já sofre com o custo alto da energia elétrica.


“As pessoas do setor, com a quais tenho conversado, entendem que o governo comete erro sem precedentes na história do agronegócio. O preço da água é caro para a irrigação e o seu impacto poderá ser a inviabilidade da atividade produtiva”, reclama o presidente da Associação dos Irrigantes do Norte de Minas, Orlando Frota Machado. Segundo ele, não justifica a cobrança porque a categoria já conserva a água. “É um erro do estado cobrar a água de uma atividade que é a maior responsável pela captação e armazenamento da água da chuva em qualquer parte do mundo. São as terras dos agricultores que armazenam a água da chuva”, assegura Frota Machado.


O irrigante também ressalta que os produtores rurais dão sua contribuição com a preservação ambiental e dos recursos hídricos ao manter as reservas legais em suas áreas. “No Norte de Minas, já temos de 20, 60 ou até 70% de reserva legal nas propriedades rurais obrigatórios por lei”, diz. Na sua opinião, a cobrança pelo uso da água em todas as bacias deveria ser instituída apenas por uma taxa única a ser paga pelo produtor rural, independente do volume captado e não pela quantidade consumida.


Conti

Orlando Frota Machado lembra que os irrigantes já estão sendo massacrados pela elevação do custo da energia elétrica. “É uma grande balela dizer que a cobrança vai ajudar na economia de água na irrigação. Na verdade, o nosso grande limitador é a conta da energia elétrica, que, entre 1998 e 2015 subiu 700% enquanto a inflação foi de 200%, observa.


“MÁ APLICAÇÃO” DO DINHEIRO PÚBLICO


Frota Machado lembra que os irrigantes enfrentam uma carga tributária de 40% e, se governo aplicasse corretamente o dinheiro que arrecada não precisaria cobrar pelo uso da água. “Se os recursos dos tributos fossem bem aplicados, com o combate à corrupção e sem o inchaço do estado, teríamos represas, barraginhas e ações ambientais. Não precisaria de cobrança para o controle do consumo dos recursos hídricos”, acredita ele. “Mas, é mais fácil cobrar pelo uso da agua do que trabalhar de maneira competente”, concluiu.


O ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu (CBH Paracatu), Osvaldo Batista de Souza, também critica a proposta do governo estadual. “A cobrança pelo uso da água em Minas não vem com o propósito da lei, mas como um imposto a mais para o setor produtivo rural”, afirma Souza. Ele lembra que o propósito inicial da cobrança “era educar os usuários e gerar recursos para revitalização dos mananciais”. Mas isso não está ocorrendo em Minas. (A cobrança) só vem para onerar mais a produção rural, sem nenhum retorno para o setor’, lamenta. Ele acha que a cobrança pela captação do recurso hídrico deve ser feita com recolhimento para fins específicos, sem entrar no caixa central do governo, para a “aplicação direta em serviços de revitalização das nascentes”


A coordenadora da Assessoria de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Ana Paula Mello, chama a atenção para a necessidade de cobrança de um valor justo da água para os agricultores. “Precisamos ter coesão e forte atuação do segmento de irrigação e usos agropecuários nos comitês (de bacias) para que o valor seja justo, e que se reconheça boas práticas adotadas, como preservação de água, manejo da irrigação com eficiência e outros. Também é importante garantir que os recursos financeiros sejam aplicados com eficiência, em melhorias na bacia de origem, de forma perceptível ao produtor rural”.


Ana Paula Melo ressalta que a cobrança pelo uso do recurso hídrico não se enquadra em taxa e não é um tributo a ser arrecadado pelo poder público. “Ao contrário, tem três objetivos fixados em lei: reconhecer o valor da água, incentivar a racionalização de seu uso e obter recursos para ações contempladas no plano da bacia hidrográfica”, observa.


ENTENDA

» Como será feita a cobrança

O Decreto 47.860 determina que o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, no prazo de um ano (a partir da publicação do referido decreto), deverá estabelecer as diretrizes para a realização da cobrança pelo uso da água nas 36 bacias hidrográficas. Já os Comitês de Bacias Hidrográficas terão até dois anos para definir a proposta de mecanismos e preços referentes à cobrança pelo uso da água. No prazo, os comitês também deverão indicar ao conselho a criação da agência de bacia hidrográfica ou entidade a ela equiparada na sua área de atuação. O decreto também determina que no caso dos comitês de bacias que não se manifestarem ao fim do prazo de dois anos, o preço a ser pago pelo uso pela água em sua área será fixado pelo conselho. Além disso, ficou acertado que os valores anuais de cobrança inferior a R$ 500 serão taxados em parcela única. Os preços definidos nos comitês deverão ser atualizados conforme os parâmetros do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).


» Bacias hidrográficas com cobrança pelo uso da água


Rios Piranga, Piraciba, Santo Antônio, Suaçuí, Caratinga e Manhuaçu (Bacia do Rio Doce), Araguari (Bacia do Paranaíba), Bacia Rio Preto e Paraibuna, Bacia dos Rios Pomba Muriaé (Bacia do Paraíba do Sul), Bacia dos Rios Piracicaba e Jaguari; Rio Pará e Rio da Velhas (Bacia do São Francisco).

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